SUPERANDO O PRECONCEITO



Enfrentando o Preconceito

Condições graves como o câncer trazem consigo uma série de associações simbólicas, podendo afetar profundamente a maneira como as pessoas percebem sua doença e o comportamento de outras pessoas
com relação às mesmas. A representação do câncer, como um mal, exprime um sentimento de desvalorização social; dessa forma, a doença não é apenas um desvio biológico, mas também um desvio social, onde o doente se vê como um ser socialmente desvalorizado.
Enfrentar o preconceito de viver com uma doença estigmatizante é o resultado de como as mulheres estudadas percebem, avaliam e interpretam a situação vivida por elas. Como o câncer é uma doença que afeta profundamente a pessoa acometida e as que fazem parte de suas relações, e como também ainda
hoje tem uma conotação de contágio e terminalidade, identificamos nos discursos das mulheres a presença do preconceito através das subcategorias: ficando constrangida e percebendo o afastamento das pessoas.


Ficando constrangida

O câncer, simbolicamente representado no imaginário popular pelas crenças tradicionais sobre a natureza moral da saúde, da doença e do sofrimento humano, e traz, para as pessoas acometidas, dificuldades para elaborar uma imagem satisfatória da doença, visto que é percebida por todos como o próprio mal.
Assim a doença é, constantemente, vista como a perda do poder físico ou da dignidade humana, fato que se traduz na prepotência dos sadios e que acentua a desigualdade social”
Dessa forma, observamos que as mulheres estudadas explicitam em seus depoimentos o constrangimento por serem portadoras de uma doença impregnada de preconceitos.... eu não queria falar no assunto né ... a gente fica muito constrangida, eu tinha vergonha de ter o problema que eu tive, eu acho que a pessoa doente, ela se sente muito inferior...
O constrangimento de ter uma doença estigmatizante levou algumas participantes do estudo a se afastarem das pessoas de seu convívio social. Essa atitude parece fruto de um processo interpretativo, baseado nos seus conceitos e nos dos outros sobre a doença, que deliberadamente escondem informações sobre sua identidade social verdadeira, quer recebendo ou aceitando um tratamento baseado em falsas suposições a seu respeito. A manipulação da informação oculta que desacredita o eu, ou seja, o encobrimento da doença foi evidenciado no enfrentamento da situação vivida pelas mulheres estudadas.


A dificuldade é estar no meio do pessoal. É medo das perguntas. Ah! Me incomodava se a pessoa vinha me perguntar porque eu estava afastada, se eu estava doente...Da mesma forma, pudemos apreender que, para essas mulheres, o conhecimento dos outros sobre o seu diagnóstico funciona como um símbolo do estigma da doença, destinado a transmitir a informação social decorrente, ou seja, a iminência de morte....você fica sentida porque, as vezes, a pessoa fala: nossa, a pessoa que tem câncer, a pessoa então é podre, porque tem câncer, então você fica com aquilo machucado, sabendo que você tem a doença. O preconceito identificado por essas mulheres explicita também a possibilidade da recorrência da doença, quando trazem em seu discurso a falta de credibilidade na cura. A interpretação dessa possibilidade está baseada na construção social da doença, na realidade vivenciada, ou seja, o câncer ainda é uma doença fundamentalmente incurável; portanto, seu futuro passa a ser incerto....hoje o câncer é tipo ... é igual a AIDS. Uma pessoa, as vezes, morre:ai, do que a pessoa morreu? De AIDS ou câncer?Assim, entendemos que o preconceito é motivo de
constrangimento para essas mulheres e, às vezes, dificulta o enfrentamento da doença, visto que, repetidamente, percebem o caráter incerto do diagnóstico, tratamento e recuperação, deixando clara a desigualdade aquele serão expostas a partir do diagnóstico da doença.



Percebendo o afastamento das pessoas
A manipulação do estigma é uma ramificação de algo básico na sociedade, que tem sido caracterizado como a estereotipia, ou seja, o perfil de nossas expectativas normativas, em relação à conduta e ao
caráter. O estigma associado ao câncer de mama pode levar pessoas a evitar o doente, privando-o do convívio social. As mulheres com câncer de mama, participantes deste estudo, interpretam que o afastamento de algumas pessoas de seu convívio se deu em decorrência do medo de um possível contágio. ... muitas (mulheres) tem amizade comigo mas... um pouco assim de longe; é um oi só, não se aproxima muito... mudou, deixou de ser... Além da possibilidade de contágio, entendem esse afastamento como uma dificuldade das mesmas em lidarem com uma situação de doença ameaçante à vida, visto que uma das dimensões do estigma relaciona-se à associação da doença com a morte.
Eu ouvi pessoas da família mesmo falando: Nossa, ela tem câncer? Ai meu Deus do céu, os meninos, o marido, agora? Como vai ser agora ela com essa doença? Percebemos que na imagem representada pelo câncer, em especial do câncer de mama, a morte ocupa posição de destaque. Observa-se que é difícil, no nosso tempo, encarar a morte como um fenômeno natura e que mesmo com o avanço da ciência ainda tememos e negamos a morte como realidade. Dessa forma, as mulheres com câncer de mama traduzem a
persistente possibilidade da recorrência, reafirmando suas incertezas, quando dão significado ao viver com uma doença estigmatizante.



FONTE: CONSTRUINDO O SIGNIFICADO DA RECORRÊNCIA DA DOENÇA: A EXPERIÊNCIA DE MULHERES COM CÂNCER
DE MAMA
Ana Maria de Almeida
Marli Villela Mamede
Marislei Sanches Panobianco
Maria Antonieta Spinoso Prado
Maria José Clapis
Fonte: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v9n5/7800.pdf